quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Crônica

À ESPERA DO JORNAL
Por Elói Kreutz *

- Minha última esperança é o Jornal das 7!  disse, entre ironia e tristeza, uma colega professora durante o recreio das quinze e trinta.
Já havia pulado da cama às seis da manhã, movida por uma tênue esperança de que hoje haveria uma grande notícia. Ainda de pijama, antes mesmo de escovar os dentes, ligou confiantemente a tevê  e deixou a porta do banheiro aberta para, afinal, ouvir a tão esperada novidade.
“Bom-dia, telespectadores, hoje é dia 15 de outubro. Antes de mais nada, lembramos que nesta data comemoramos com carinho o dia dedicado aos nossos mestres. Parabéns a todos os professores. Vamos hoje mostrar a história de um professor que, apesar de todas as dificuldades, baixo salário, falta de reconhecimento, e blablablablablá...”
Desapontada por não ter ouvido o que tanto queria, olha para o relógio. Já são quase horas de sair para mais um dia letivo. Absorta que estava no noticiário, nem viu o tempo passar. Não havia nem tomado café. Rapidamente, enquanto se arrumava e pensando nas aulas que teria que dar, engoliu alguns biscoitos, agarrou os livros e voou para a escola.
- Bom-dia, colegas. Parabéns pelo nosso dia. Pena que nada..., né? Vocês viram? Será que vamos de novo ter as expectativas frustradas? Será que nada vai ser anunciado hoje?
- Calma, colega. Talvez é puro suspense. Ainda tem o Jornal do Almoço!
- É, pode ser que o anúncio vai ser feito quando tiver mais gente com a tevê ligada, pois vocês sabem que isto dá mais votos.
Cabisbaixa e tristonha foi para a sala de aula. Mais sensível do que de costume, esperou que os alunos ao menos lhe dessem um abraço. Mas nada. Ninguém se manifestou. Todos, sonolentos, com cara de feriado ainda, nem fizeram menção de lhe dar os parabéns. E assim foram as três primeiras aulas.
Na hora do recreio, já na sala dos professores, alguém perguntou:
- Escuta, os alunos se lembraram de que hoje é o nosso dia? Nem ao menos os parabéns recebi. Alguém recebeu?
Todos se entreolharam. Uma colega ainda tentou amenizar:
- Ah, isto é por timidez, eles se sentem constrangidos.
A manhã parecia mais longa. Não queria passar. Finalmente soou a sineta do final do último período. Quase atropelando os alunos, guardou rapidamente o material didático e correu para casa. Esqueceu até de cumprimentar o marido e as crianças. Avançou para o controle e ligou a televisão. Nunca o almoço havia sido tão silencioso. Nenhum barulhinho de talheres. Nada de conversa. Parecia que as notícias entrariam pela boca.
- Mas não é possível. Será que esse governador quer nos matar à míngua? Pois era hoje o dia que ele faria o grande anúncio. Eu esperei por isso tanto tempo. Não aguento mais. Perdi até o meu apetite.
A vida continua. A rotina tem que ser cumprida. Já é hora de tomar o caminho de mais uma jornada. Os alunos do período vespertino já faziam algazarra na frente do portão da escola, quando estacionou seu carro usado de doze anos.
Entretanto, algo lhe martelava na cabeça, não conseguia se concentrar nas aulas que ministrava. Aquele dia deveria ser diferente dos outros. Haveria, afinal, o anúncio que tanto aguardava? Ainda restava o Jornal das 7...

*Professor de Português da Rede Estadual de Ensino do RS

3 comentários:

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  3. Perfeito! Muito orgulho do meu pai e de todos os professores que fazem da esperança a força para seguir em frente!

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