quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Crônica 4

CEGOS, SURDOS E SEM MEMÓRIA
Por Elói Kreutz
“Deitado eternamente em berço esplêndido”.
Será que de uma hora para outra parece que o gigante adormecido acordou? O que fez
com que dormíssemos um sono tão profundo? Às vezes penso que o autor deste verso do Hino Nacional acrescentou um poderoso sonífero à letra. Sinceramente, há uma outra explicação?
A história está recheada de acontecimentos que deveriam ter provocado alguma reação. De forma desorganizada e tímida, por vezes, parecia que algo poderia acarretar um despertar coletivo.
Precisava, acontecer algo que mexesse com os brios do “povo heroico” para que soltasse seu “brado retumbante”. Parece que era necessário, quebrar a cara, a casa cair, a vaca ir pro brejo, o circo pegar fogo, para finalmente acordar.
Para ilustrar um pouco a situação, a crônica de Alcântara Machado “Apólogo brasileiro sem véu de alegoria” serve como uma metáfora para entender que é necessário precaver-se de falsos condutores de mudanças, há tanto tempo almejadas. Trabalhadores, carneadores, iam de trem, do serviço para casa. No fundo do vagão, um cego. Como já era noite, alguém se queixou de que não havia luz nos vagões. O cego, sabendo que estavam no escuro, começou uma rebelião. O trem foi completamente depredado. Vai preso o maquinista que dá seu depoimento:
- O cego liderou a rebelião porque não havia luz!
- Você está preso por desacato à autoridade e falso testemunho.
Quem são os líderes “cegos” de hoje? Onde vão nos conduzir, já de antemão sabemos: até as próximas eleições.
Felizmente ainda continua valendo o “antes tarde que nunca”. O que agora está eclodindo são questões que provocaram uma reação de sentimentos represados durante tanto tempo. A impassibilidade contida transformou-se num turbilhão, soltando uma multidão em avalanche nas ruas, de uma forma avassaladora e incontrolável. Certamente já havia inúmeras situações em que se deveria ter dado um basta na bandalheira que se instalava sorrateiramente nos antros do poder.
A gota d’água teria sido a construção de “pirâmides faraônicas” chamadas de estádios de futebol. Como de costume, o que deveria custar “um”, multiplicou-se por três com desvios astronômicos de verbas públicas, falcatruas, superfaturamentos, fraudes, corrupções. O aumento de passagens apenas foi o estopim para  que o gigante acordasse. Agora a multidão, apesar de um tanto desnorteada, começou a rugir nas ruas, se rebelar e  manifestar (com cruel selvageria de alguns).
Talvez a cegueira da maioria seja irreversível. Ou fingem que não querem ver nem ouvir. O que falta, afinal, acontecer ainda? O pavio está ardendo e é bastante curto. A esperança é que tudo isso não passe novamente apenas de “um fogo de palha”. O temor de usarem novamente o famoso “pão e circo” ainda existe, pois a aposta é sempre na memória curta da maioria. Embalados na cantilena de algumas promessas e discursos, corremos o risco de pegar no sono outra vez.

A hora de acordar será que finalmente chegou?

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Crônica 3

“CUIDADO, FRÁGIL”
Por Elói Kreutz*

“Cresci; e nisso é que a família não interveio; cresci naturalmente, como crescem as magnólias e os gatos. Talvez os gatos são menos matreiros, e, com certeza, as magnólias são menos inquietas do que eu era na minha infância. Um poeta dizia que o menino é pai do homem” (o grifo é meu).
Temos aí uma transcrição da parte de um parágrafo do livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis.  A pretensão de me apossar desse pequeno excerto de uma obra magnífica do maior escritor brasileiro de todos os tempos, é tecer algumas considerações sobre a veracidade dessa afirmação. Por analogia, poderíamos nos valer também de um adágio popular que também contém uma grande verdade: “De pequenino se torce o pepino”.
Assim deveria ser. Pela ordem natural das coisas, ou pela cronologia dos acontecimentos da vida, o menino de hoje deve crescer, educar-se, formar-se e assim , na infância, adolescência e juventude construir as bases sólidas do homem que será no futuro. É o ciclo normal da sequência da vida. O menino cresce com responsabilidade e bons valores e será um cidadão, um homem. O menino sobrevive, tem longa vida. O menino enterra seus pais, pois eles o precederam. Os mais velhos morrem antes dos mais novos. Portanto, não são os pais que devem levar o menino antes deles para o cemitério.
Infelizmente, isto mudou. Principalmente com o aumento vertiginoso da tecnologia e do mau uso que é feito dela. Em especial no que tange à facilidade de locomoção. Potentes máquinas mortíferas – quando usadas incorretamente e sem responsabilidade - chamadas de automóveis, tornam-se o sonho de consumo cada vez mais intenso dos jovens de hoje. O sucesso, o bem-estar, a conquista, o poder estão diretamente relacionados a eles.
- Quando tiver dezoito anos, a primeira coisa que vou fazer é tirar carteira de motorista!
É assim que sucede. O menino está ao volante e ficou valente.
O fruto da valentia do menino ao volante vemos quando abrimos o jornal, principalmente às segundas-feiras. As manchetes estarrecedoras das estatísticas de acidentes nas estradas ou de mortos por homicídio causam perplexidade. Repetem à exaustão notícias de jovens saudáveis, cheios de sonhos, expectativas de vida, estraçalhados debaixo das ferragens assassinas de algum veículo. Vidas ceifadas no pleno vigor da juventude.
Os números estão aí para provar. São mais de cinquenta mil mortos no trânsito por ano, no Brasil. Outros tantos por homicídios. Estes números deveriam bastar para mudar radicalmente o comportamento dos motoristas brasileiros. Lei Seca, penas mais pesadas, suspensão da carteira de habilitação, nada parece intimidar os “ases imortais do volante”.
- Serei eu o próximo? Vou chegar com vida ao meu destino? Voltarei vivo? São perguntas angustiosas e precavidas que deveriam ser feitas por todos os que se aventuram pelas “estradas da morte”.
Nesta longa estrada da vida, vou correndo, não posso parar” , nostalgicamente cantamos em nossas rodinhas, ao som de um plangente violão, após uma dúzia de rodadas de cerveja. Só que a estrada da vida, ao invés de nos dar “esperança de ser campeão, alcançando o primeiro lugar”, como diz a continuação da música, faz dobrar cada vez mais as badaladas fúnebres dos sinos, anunciando mais um enterro de alguém que ficou nas ferragens das máquinas motorizadas.
Fatalidade? Não. Como dizer que o destino assim quis, quando oito jovens se amontoam dentro de um carro, onde só cabem cinco, após uma festa e não chegam todos vivos em casa, causando a morte de metade de seus ocupantes? O mínimo que se pode deduzir de uma aventura trágica dessas é que deve haver uma sensação de imortalidade entre os que saem loucamente pelas estradas afora. Impossível querer imaginar que haja um pacto coletivo de suicídio entre os jovens. Às vezes parece pertencerem a uma seita que faz pacto de morte, porque é acreditável que não haja informações suficientes para coibir toda esta loucura.

Por isso, o cuidado na transformação do menino de hoje que gera (é pai) o futuro homem. Quem sabe, algum político tenha um lampejo de criatividade e crie uma lei que obrigue todas as pessoas a portar uma tarja bem visível com os dizeres “Cuidado, frágil”. Sim, a vida é frágil. E só temos uma!
*Professor de Português