quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Crônica 3

“CUIDADO, FRÁGIL”
Por Elói Kreutz*

“Cresci; e nisso é que a família não interveio; cresci naturalmente, como crescem as magnólias e os gatos. Talvez os gatos são menos matreiros, e, com certeza, as magnólias são menos inquietas do que eu era na minha infância. Um poeta dizia que o menino é pai do homem” (o grifo é meu).
Temos aí uma transcrição da parte de um parágrafo do livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis.  A pretensão de me apossar desse pequeno excerto de uma obra magnífica do maior escritor brasileiro de todos os tempos, é tecer algumas considerações sobre a veracidade dessa afirmação. Por analogia, poderíamos nos valer também de um adágio popular que também contém uma grande verdade: “De pequenino se torce o pepino”.
Assim deveria ser. Pela ordem natural das coisas, ou pela cronologia dos acontecimentos da vida, o menino de hoje deve crescer, educar-se, formar-se e assim , na infância, adolescência e juventude construir as bases sólidas do homem que será no futuro. É o ciclo normal da sequência da vida. O menino cresce com responsabilidade e bons valores e será um cidadão, um homem. O menino sobrevive, tem longa vida. O menino enterra seus pais, pois eles o precederam. Os mais velhos morrem antes dos mais novos. Portanto, não são os pais que devem levar o menino antes deles para o cemitério.
Infelizmente, isto mudou. Principalmente com o aumento vertiginoso da tecnologia e do mau uso que é feito dela. Em especial no que tange à facilidade de locomoção. Potentes máquinas mortíferas – quando usadas incorretamente e sem responsabilidade - chamadas de automóveis, tornam-se o sonho de consumo cada vez mais intenso dos jovens de hoje. O sucesso, o bem-estar, a conquista, o poder estão diretamente relacionados a eles.
- Quando tiver dezoito anos, a primeira coisa que vou fazer é tirar carteira de motorista!
É assim que sucede. O menino está ao volante e ficou valente.
O fruto da valentia do menino ao volante vemos quando abrimos o jornal, principalmente às segundas-feiras. As manchetes estarrecedoras das estatísticas de acidentes nas estradas ou de mortos por homicídio causam perplexidade. Repetem à exaustão notícias de jovens saudáveis, cheios de sonhos, expectativas de vida, estraçalhados debaixo das ferragens assassinas de algum veículo. Vidas ceifadas no pleno vigor da juventude.
Os números estão aí para provar. São mais de cinquenta mil mortos no trânsito por ano, no Brasil. Outros tantos por homicídios. Estes números deveriam bastar para mudar radicalmente o comportamento dos motoristas brasileiros. Lei Seca, penas mais pesadas, suspensão da carteira de habilitação, nada parece intimidar os “ases imortais do volante”.
- Serei eu o próximo? Vou chegar com vida ao meu destino? Voltarei vivo? São perguntas angustiosas e precavidas que deveriam ser feitas por todos os que se aventuram pelas “estradas da morte”.
Nesta longa estrada da vida, vou correndo, não posso parar” , nostalgicamente cantamos em nossas rodinhas, ao som de um plangente violão, após uma dúzia de rodadas de cerveja. Só que a estrada da vida, ao invés de nos dar “esperança de ser campeão, alcançando o primeiro lugar”, como diz a continuação da música, faz dobrar cada vez mais as badaladas fúnebres dos sinos, anunciando mais um enterro de alguém que ficou nas ferragens das máquinas motorizadas.
Fatalidade? Não. Como dizer que o destino assim quis, quando oito jovens se amontoam dentro de um carro, onde só cabem cinco, após uma festa e não chegam todos vivos em casa, causando a morte de metade de seus ocupantes? O mínimo que se pode deduzir de uma aventura trágica dessas é que deve haver uma sensação de imortalidade entre os que saem loucamente pelas estradas afora. Impossível querer imaginar que haja um pacto coletivo de suicídio entre os jovens. Às vezes parece pertencerem a uma seita que faz pacto de morte, porque é acreditável que não haja informações suficientes para coibir toda esta loucura.

Por isso, o cuidado na transformação do menino de hoje que gera (é pai) o futuro homem. Quem sabe, algum político tenha um lampejo de criatividade e crie uma lei que obrigue todas as pessoas a portar uma tarja bem visível com os dizeres “Cuidado, frágil”. Sim, a vida é frágil. E só temos uma!
*Professor de Português

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